Acaba de ser concluída a perícia realizada no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca, cartão-postal do Litoral Sul de Pernambuco, por determinação da 35ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco. A análise confirma a existência de danos ambientais em Área de Preservação Permanente (APP) provocados a partir da construção do muro de 570,8 metros de comprimento. Um deles é o impacto à desova de tartarugas.
O laudo é categórico em desfavor do empresário João Vita Fragoso de Medeiros, réu na ação. “A remoção da estrutura é a medida mais apropriada e de menor custo para restabelecer os processos naturais e ecológicos da praia”.
O estudo atesta a ocorrência de danos ambientais gerados a partir da construção da muralha, corroborando o que já havia sido detectado pelo Ibama e Polícia Federal, quando apontaram a existência de seis irregularidades e cinco infrações ambientais.
Abaixo, outro trecho do estudo técnico determinado pela Justiça Federal.
“A construção do muro de contenção no Pontal de Maracaípe causou danos ambientais mensuráveis ao meio ambiente local, afetando a vegetação nativa, os manguezais, a dinâmica sedimentar e a fauna, conforme documentado por laudos periciais e órgãos ambientais”.

O laudo pericial, anexado ao processo no dia 24 de setembro, é o capítulo mais recente de uma história que começa em 2020, quando surgem as primeiras denúncias de impedimento do acesso da comunidade local à área por parte da família Fragoso e seguranças armados.
Naquele ano, cercas haviam sido erguidas dentro do manguezal. Essa informação consta no inquérito aberto pelo Ministério Público Federal (MPF), que deu origem à ação de nº 0800380-64.2024.4.05.8312.
Com a análise técnica realizada por perito independente agora anexada ao processo, o juiz da 35ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco vai abrir prazo para as partes se manifestarem sobre os apontamentos da perícia.
Laudo confirma apropriação de área de praia
Nas poucas entrevistas que deu sobre o caso, uma das alegações do empresário João Vita Fragoso era a de que a área era privada, o que lhe dava o direito de cercá-la. Acontece que a análise técnica determinada pela Justiça Federal reforça o que a SPU já havia anotado: o muro avança para além dos limites da propriedade.
Mais de 1.200 metros² de área de praia foram tomados de forma indevida. “A análise feita pela presente perícia aponta para uma área de 1.282 m² para além da propriedade, segundo comparações entre as imagens aqui utilizadas e as informações do INCRA”.
No ano passado, o empresário já havia sido multado por isso pela SPU em R$ 124 mil. Trecho do auto de infração: “às 10h do dia 27 de março de 2024, compareceu o representante da SPU, tendo constatado a realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo”.
Perícia responde a dezenas de quesitos
O juiz da 35ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco requereu a realização de perícia para que, com o resultado em mãos, ele possa decidir sobre se determina ou não a retirada da muralha que ultrapassou em mais de duas vezes a extensão autorizada pela CPRH inicialmente.
Além da CPRH, Ibama, MPF, Secretaria de Patrimônio da União e o réu elencaram, ao todo, cerca de 80 quesitos, para que fossem confirmados ou rejeitados por dados técnicos. O laudo pericial tem 221 páginas.
Extração ilegal de areia para escorar muro
Ibama e Polícia Federal haviam apontado que o empresário cometeu a irregularidade de reforçar a muralha em pontos da área interna com o acréscimo de areia. Relatos colhidos no local deram conta de que a empreitada havia lançado mão de máquinas pesadas para remover o material da foz do rio.
Um dos quesitos apontados pelo Ibama foi este: é correto afirmar que essa ação de extração ilegal de areia de uma porção da praia para ser jogada para dentro da área cercada pelo muro, agrava a erosão?
A resposta da perícia: sim, é correto. “A forma de uma dada praia é resultado da combinação entre a ação das ondas que lá incidem e o tamanho do grão nativo da praia. Essa relação é que gera a declividade natural da praia e, consequentemente, seus diferentes subambientes, cada qual com a sua cota topobatimétrica”.
Abaixo, a síntese de alguns dos apontamentos.
Erosão
- “Acentua a erosão costeira ao cortar o sistema praial e impedir o depósito de sedimentos na parte alta da praia, essencial para impedir a erosão”.
Acesso de turistas
- “O muro de contenção não possui quaisquer características de proteção ambiental, a exceção de impedir que transeuntes acessem uma área privada e danifiquem o meio ambiente local. Causou risco de prejuízo à dinâmica sedimentar da área. Criou ambiente físico perigoso e desagradável, restringindo o acesso e comprometendo a segurança e o bem-estar dos visitantes da praia do Pontal de Maracaípe”.
Desova de tartarugas
- “A construção do muro de contenção impede e/ou dificulta o acesso desses animais à restinga e a outras áreas mais elevadas da praia para desova. Um caso concreto foi registrado em maio de 2024, no qual uma tartaruga marinha desovou no limite do muro e seus ovos foram afetados pela maré alta, o que é uma prova material do prejuízo que o muro impõe à nidificação dessas espécies ameaçadas de extinção”.