Alto José Bonifácio, Água Fria, Dois Unidos, Guabiraba, Vasco da Gama, Nova Descoberta, Passarinho, Barro, Várzea, Cohab, Ibura e Jordão são os bairros do Recife com a maior concentração de pontos de risco de queda de barreira.

Na capital pernambucana 206.761 pessoas vivem em áreas de risco (deslizamentos e inundações). Esta população constitui 14% da população total da capital pernambucana. 

É muita gente! 

Recife ocupa a quinta posição na lista das cidades brasileiras com o maior número de pessoas em áreas de risco (IBGE). 

Os dados acima constam no Plano de Contingência 2025 para ações de resposta a desastres, situações emergenciais e calamidades pública, elaborado pela Secretaria Executiva de Defesa Civil do Recife. O documento é exigência legal prevista no Plano Nacional de Defesa Civil.

Racismo ambiental, na prática, é isso: pessoas pobres e pretas vivendo com a possibilidade de perder a casa ou a vida quando chove. A morte de alguém soterrado por barro vermelho é sempre uma morte coletiva. Quando isso acontece, um pedaço da cidade vai junto!

A formação geomorfológica do Recife explica, em partes, o fato de tanta gente morar em áreas de risco. Morros e encostas representam 67% do território do município. A população é de pouco mais de 1,5 milhão de habitantes. Estima-se que sejam mais de 9 mil pontos de risco nessas áreas da cidade.

Aqui, vale destacar um trecho do Plano de Contingência para te ajudar a visualizar melhor o Recife: 

“do ponto de vista geomorfológico, a cidade é marcada por duas grandes formas de relevo, sendo constituída por uma grande planície aluvial, cortada por três grandes rios (Capibaribe, Beberibe e Tejipió), com altitude média em relação ao nível do mar de quatro metros, sendo a cidade mais baixa do Brasil. 

Ao redor dessa planície, a cidade se envolve por diversas barreiras, com declividade acentuada, o que proporciona a ocorrência de constantes processos erosivos, elevado pela intensa ocupação construtiva”.

Para além dos morros, o Recife tem 23,2% do seu chão de planícies, com rios, canais e córregos somando 9,3% da área da cidade.

Na zona norte da cidade, em 1940 as primeiras áreas de morros a serem ocupadas foram Casa Amarela, Beberibe e Água Fria.

Sete dos 12 bairros com maior concentração de pontos de risco hoje estão nesta parte da cidade: Alto José Bonifácio, Vasco da Gama, Água Fria, Dois Unidos, Guabiraba, Nova Descoberta e Passarinho (limite com Olinda). 

Do outro lado do Capibaribe, a zona oeste tem dois desses bairros (Barro e Várzea). Na zona sul, estão os outros três: Cohab, Ibura e Jordão.

Risco é maior em 21 comunidades 

Para além da geomorfologia do Recife, para entender o fato do Recife ser tão vulnerável às mudanças climáticas e à gentrificação, é preciso também levar em consideração a política de uso e ocupação do solo. Historicamente, o poder econômico e político tem empurrado as pessoas pretas e pobres para longe dos “centros”.

Atualmente, o risco de queda de barreira é maior em 21 comunidades. A maioria está concentrada em pontos da zona norte. São elas: Alto do Cruzeiro, Córrego da Areia, Córrego do Beijú, Córrego do Joaquim, Sítio dos Macacos, Córrego da Bica, Córrego do Caruá, Alto do Brasil, Alto do Maracanã, Cavalcante Petribú, Alto do Rosário e Córrego do Deodato.

Barreiras, Pantanal, Vila dos Milagres, Jardim Monte Verde, Lagoa Encantada, Alto da Bela Vista, Vila do Sesi, Alto da Jaqueira e Jordão Baixo são as áreas de maior risco de deslizamento de barreira das zonas oeste e sul.

A Defesa Civil atribui quatro classificações quanto ao risco.

🟢 Baixo: quando não há sinais de instabilidades. Mantidas as condições, não se espera ocorrências no período de um ano.

🟡 Médio: A instabilidade está em estágio inicial. Mantidas as condições, é reduzida a chance de sinistro durante as chuvas.

🟠 Alto: trincas no solo são sinais de alerta. Risco de evolução do quadro. Mantidas as condições, é possível a ocorrência de queda no período de um ano.

🔴 Muito alto: Trincas no solo e instabilidade próxima a moradias. Processo em estágio avançado. É a condição mais crítica. Muito provável a ocorrência de deslizamento.

Geraldo Julio desinvestiu na gestão de risco

Levantamento publicado pelo Jornal do Commercio em 2022 mostrou que Geraldo Julio foi o prefeito que menos aplicou recursos públicos na gestão de risco em morro e encostas. Em cinco dos oito anos que administrou a cidade, o valor gasto com urbanização dessas áreas ficou abaixo de 1% do orçamento do município. O maior percentual investido, de 2,88%, foi na gestão de João Paulo (PT).

Fui assessor do então vereador do Recife Ivan Moraes (PSOL) no primeiro dos dois mandatos que ele exerceu. À época, fazíamos o monitoramento dos gastos da prefeitura em algumas rubricas que eram importantes na atuação parlamentar de Ivan.

Em 2017, quando uma barreira cedeu e vitimou uma mulher de 37 anos e um adolescente de 14, fomos pesquisar no Portal da Transparência. Um dos achados foi o que, na Lei Orçamentária Anual do ano anterior (2016), a gestão havia previsto gastar R$ 160 milhões. Ao final, executou só R$ 7 milhões. Menos de 5% do previsto. Com propaganda foi o inverso. Previu R$ 10,9 milhões, gastou R$ 21,4 milhões.

A conclusão a que chegamos, que Ivan denunciou na tribuna da Câmara: naquele ano de 2016, quando disputou e ganhou a reeleição, Geraldo Julio havia gastado do orçamento público três vezes mais com propaganda do que “urbanização em áreas de risco”. 

Uma cidade com as características geomorfológica e social do Recife precisa ter um investimento constante no controle urbano, com intervenções e monitoramento dessas áreas.

Na atual gestão, do prefeito João Campos (PSB), o município tem realizado obras de proteção em morros e encostas. Parte significativa desses recursos entrou no caixa por meio de operações de crédito em bancos públicos, como a Caixa Econômica, e internacionais. A maior delas foi com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no valor de R$ 2 bilhões. 

À época da assinatura do contrato, em maio de 2023, conversei com uma fonte que entende de contas públicas. Ouvi que operações de crédito são um bom caminho para elevar o potencial de investimento do município em infraestrutura e que aquelas condições de pagamento tinham sido favoráveis. Destacou também que as intervenções precisam priorizar as áreas de risco 3 e 4.