A fotografia é o elemento mais surpreendente do jornalismo, é quem o conecta à dimensão do tempo. A imagem de hoje ganha novos significados amanhã e toda foto conta uma história. Ou mais de uma. A que dá vida a esse texto, de autoria de Rodrigo Lobo, é um desses exemplos. Ela é peça-chave para entendermos o porquê da Brasília Teimosa ser hoje o único local do Recife onde o pobre mora à beira-mar, sem risco de despejo.

O calendário marcava 10 de janeiro de 2003. Começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. 

Naquele momento, havia no ar a sensação de algo inédito, representado na simbologia do presidente eleito pelo voto direto e universal recebendo a faixa das mãos de um presidente que havia sido eleito da mesma forma. Era a primeira vez que aquilo acontecia, em 500 anos de Brasil.

O sentimento era o de que avançava o que a gente convencionou chamar de democracia. A seleção brasileira pentacampeã mundial; a estabilização política alinhada ao controle da inflação; a Constituição Cidadã prestes a completar 15 anos… 

Muita coisa excitava o sonho e a esperança. E o Lula que rodou o Brasil para fazer política nas vezes que perdeu a eleição presidencial seguiu fazendo o mesmo. Desta vez, como o número 01 do Palácio do Planalto, acompanhado de uma comitiva com quase todo o ministério.

“Lula escala 30 ministros para visitar a miséria”, publicou a Folha de S.Paulo. E era isso mesmo. Entre tantos lugares possíveis, a primeira parada da imersão presidencial foi a capital pernambucana. E não por acaso. 

Dois anos antes, o Recife havia dado a vitória na eleição à prefeitura a um candidato de origem humilde, da classe trabalhadora, do mesmo partido do então presidente. A “onda vermelha” que elegeu Lula começou por aqui. 

Estava decidido: Lula e dezenas de ministros iriam visitar a população das palafitas da Brasília Teimosa. À época, o local era bem diferente do que é hoje. A beira-mar era apinhada de casebres de madeira. Na maré alta, muitos tombavam. Mas logo eram reconstruídos por quem não tinha onde morar. Foi essa “teimosia” que deu origem ao nome do lugar.

Visita presidencial é um evento com bastante protocolo para a imprensa. O nome dos repórteres e fotógrafos que vão cobrir o evento precisam ser informados com antecedência, o número de credencial para cada veículo de comunicação é limitado e os profissionais não têm livre circulação. 

Há os que são escalados para o jogo. E há aqueles que estão pautados para tentar captar o que os colegas, de um local determinado e restrito, não enxergarão. 

E foi assim, “correndo por fora”, que o fotógrafo Rodrigo Lobo fez uma sequência de imagens que, naquele ano, viria a ganhar o Prêmio Cristina Tavares, o mais referenciado do jornalismo pernambucano. 

Um garoto negro e pobre quase que se joga sobre Lula para dá-lhe um abraço. E é retribuído pelo presidente. A imagem captura essa emoção. Fotaça! No dia seguinte, o Jornal do Commercio estampou a foto de Rodrigo Lobo na manchete, de ponta a ponta.

Naquele momento, tinha início um estilo de exercer a presidência da República que daria muita dor de cabeça aos homens da segurança. Frequentemente, Lula quebrava o protocolo e ia fazer o corpo a corpo com as pessoas. 

Depois da visita presidencial, começou a urbanização da beira-mar. A vida do povo seguiu sofrida, mas era inegável que algumas coisas tinham mudado por lá. Muita gente ganhou apartamento em habitacionais e Brasília Teimosa passou a ser um símbolo. Um “case” de como é possível mudar para melhor a vida do povo sem tirá-lo de onde estão.

Brasília Teimosa é hoje um bairro compreendido numa Zona Especial de Interesse Social (Zeis), protegida da especulação imobiliária.

Este texto dá início à série “A história por trás da foto”. Nela, fotógrafa(o)s contarão um pouco do contexto que possibilitou a captura da imagem postada. 🙂