A comunicação entre a deputada Dani Portela (PSOL) e o presidente Álvaro Porto (PSDB), para acionar a Polícia Legislativa, aconteceu por fora do Alepe Trâmite, que é o sistema interno para envio e recebimento de processos administrativos e legislativos. A comunicação sem registro eletrônico foge à conduta padrão da Casa e desrespeita ato normativo da mesa diretora, que tem o próprio Álvaro no comando.
Política com Opinião publicou matéria no domingo (24) em que a presidência da Casa, por meio da assessoria, afirmou que a investigação aconteceu de maneira “informal e sigilosa”, quando a lei que regulamenta a atuação e os limites da Superintendência de Investigação Legislativa determina que seja mantido registro atualizado dos procedimentos.
Na segunda-feira (25), a reportagem solicitou à deputada, por meio da assessoria, cópia do ofício que ela endereçou ao presidente. Dois dias depois, na quarta (27), pediu cópia do ofício enviado por Álvaro, em resposta à solicitação da colega.
Tanto o documento que está assinado por Dani quanto o que leva o nome do presidente da Assembleia têm características em desacordo com as normas expressas no ato da mesa diretora de nº 1.
“No âmbito da ALEPE, o envio de documentos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico somente serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica”, descreve o artigo 3º do ato normativo publicado pela mesa diretora no dia 3 de setembro de 2024.
Acontece que os ofícios apresentados por Dani Portela à reportagem não possuem assinatura eletrônica. O indicativo de enviado e recebido está feito de forma escrita. A norma interna da Casa até prevê que, em situações excepcionais, ofícios possam ser trocados por meio de protocolo físico, desde que sejam “formalizados em momento posterior”.
Política com Opinião também consultou, sob a condição da reserva, servidores e ex-servidores da Casa, incluindo profissionais que passaram por ou estão em chefia de gabinete. A avaliação foi unânime: a troca de ofícios por fora do Alepe Trâmite, sem as assinaturas eletrônicas, foge ao padrão de funcionamento cotidiano da Casa.

É por meio do Trâmite Alepe que são formalizados procedimentos de ordem administrativa ou legislativa. Vale tanto para a apresentação de um projeto de lei por parte do parlamentar quanto para a solicitação de crachá funcional de servidores. Atualmente, o sistema de acesso migrou para reconhecimento facial. Transição também foi feita por lá.
Um ofício não indica a hora
Para a catalogação do fluxo de documentos, o indicativo da hora é uma informação importante, e não mero detalhe. Tanto é que é exigido no ato que regulamenta a comunicação interna da Casa e serve como evidência do marco temporal.
“Carimbo de tempo: selo que atesta a data e a hora exatas em que um documento foi criado e/ou recebeu a assinatura digital, criando evidências de sua existência temporal”, determina a norma da mesa diretora.
No ofício, com data de 18 de agosto, a deputada pede que seja apurada contra ela a eventual prática de “denunciação caluniosa”. É o ato de provocar a instauração de procedimento policial, judicial ou administrativo contra alguém, imputando-lhe a prática de um crime sabendo que a pessoa é inocente.

A denúncia contra Dani ao Tribunal de Contas do Estado pede que seja analisada a contratação, por parte do gabinete da parlamentar, de uma empresa em nome de um familiar do marido de Dani, o advogado Jesualdo Campos. Ele é também ex-tesoureiro do PSOL e, desde o ano passado, está filiado ao PT.
Foi um então assessor direto da governadora quem fez a denúncia anônima contra Dani Portela à Ouvidoria do TCE, em retaliação à instalação na Alepe da CPI da Publicidade, de que Dani foi a autora do requerimento. O anonimato da denúncia ao TCE foi quebrado por Álvaro, da tribuna da Casa.
Outro ofício tem erro na data
O documento que leva a assinatura de Álvaro apresenta assinatura física, sem carimbo, com o erro na data. Consta que foi recebido em junho, e não agosto. O ofício é endereção ao delegado Ariosto Esteves, quem comanda a Polícia Legislativa. O documento apresenta também outra peculiaridade: antecipa informações que seriam identificadas só após o início da investigação.
VPI: preliminar é diferente de informal
Ambos ofícios citam um procedimento denominado Verificação Preliminar de Informação (VPI). Como o nome informa, ele é preliminar, mas não substitui abertura de inquérito policial. É também um mecanismo excepcional. Via de regra, utilizado para dirimir determinadas dúvidas e, ao final, avaliar se uma denúncia anônima contém indícios mínimos suficientes de suspeita de fato ilícito, para ser levada a sério.
Daí que a solicitação e autorização para a Polícia Legislativa instaurar VPI faria mais sentido no caso de uma denúncia anônima recebida pela própria Superintendência de Investigação Legislativa.
Com a palavra, Dani Portela
Por meio da assessoria, foram enviados três questionamentos. Reproduzo abaixo a íntegra das respostas.
Quando e por qual meio a deputada acionou a Presidência da Casa?
Dani: através de ofício protocolado no dia 18 de agosto.
Qual a motivação suscitada?
Dani: investigar denunciação caluniosa com finalidade política e eleitoral apócrifa, haja vista não haver qualquer empresa fantasma contratada pelo gabinete da deputada Dani Portela, tampouco desvio de recurso público. E ainda, haja vista ter sido a peça caluniosa disparada em massa através de robôs automatizados para toda imprensa e e-mails para os 49 Deputados e Deputadas (evidenciando o dolo da ação – ou o animus caluniandi e difamandi do agressor). A deputada foi vítima de um ataque, cuja suspeita principal é de que ele tenha sido feito justamente através do gabinete do ódio ao qual ela está denunciando. Estrutura essa que seria financiada pelo contrato de publicidade do governo estadual. E como a deputada foi vítima de uma violência política de gênero, o Direito assegura a sua integridade em detrimento do anonimato dos agressores, respeitadas as garantias processuais constitucionais dos investigados. Denúncias anônimas são importantes, mas não podem ser confundidas com crimes contra a honra, sob a pena de tratarmos agressores como vítimas e revitimizarmos as pessoas violadas. O direito ao anonimato não é absoluto, caso contrário, não seria possível fazer qualquer tipo de investigação policial no país. Reiteramos nossa irrestrita defesa dos princípios e garantias constitucionais penais e processuais, reafirmando, ainda, que a violência dissimulada de “denúncia” não pode ser relativizada, e que os agressores precisam ser responsabilizados pelos eventuais crimes cometidos.
É possível obter cópia do ofício em que a deputada aciona a previdência?
Dani: Sim. Segue em anexo.