O Tribunal de Contas de Pernambuco decidiu manter a condenação a uma agência de publicidade que tem como sócio o tio da governadora Raquel Lyra (PSD). A contestação da MAKPLAN Marketing e Planejamento foi rejeitada na sessão do dia 02 deste mês. O julgamento do recurso, que tinha parecer contrário do Ministério Público de Contas, se arrastou por dois anos e quatro meses. E foi marcado por adiamentos gerados por uma série de pedidos de vista por parte dos conselheiros.
No total, foram seis pedidos de vista. Apenas um dos conselheiros, Dirceu Rodolfo, lançou mão do instrumento três vezes. O julgamento do recurso da MAKPLAN, protocolado em março de 2023, foi adiado uma outra vez, por falta de quórum para a realização da sessão.
A decisão do TCE-PE em desfavor da empresa que tem como sócio o publicitário Marcelo Teixeira, tio da governadora (irmão da mãe), é uma daquelas notícias que têm duas camadas: o fato em si, a manutenção da condenação à empresa, levada a público recentemente por uma matéria na Folha de S.Paulo; e a forma pela qual o processo tramitou. Esta última, de caráter inédito, destrinchada aqui.
Vamos por partes!
Em 2020, MAKPLAN é condenada a devolver R$ 4,8 milhões
A empresa firmou contrato com a Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Turismo, em 2007. A operação aconteceu no penúltimo ano da gestão do prefeito João Paulo (PT). Em 2020, o TCE julgou irregulares as contas de um diretor da pasta referentes ao exercício do ano de 2011, imputando, solidariamente, a ele e à agência a obrigação de devolver R$ 4,8 milhões. A empresa também teve a inidoneidade declarada por 5 anos.
Aquela decisão do TCE, porém, afastou a responsabilidade do então secretário de Turismo André Campos, que teve as contas julgadas regulares com ressalvas.
De acordo com informações do processo, o contrato da Setur com a MAKPLAN, no valor total de R$ 20 milhões, representou 87% de todas as despesas realizadas pela pasta em 2011. Desse total, R$ 4,8 milhões foram correspondentes a serviços cuja realização – para auditores do órgão de controle – não ficou comprovada.
Formalmente, a agência alegou ter subcontratado uma gráfica. A representante da empresa, porém, disse em depoimento que, naquele ano de 2011, a gráfica não funcionava mais e que nunca havia feito orçamentos para a prefeitura. A MAKPLAN rebateu a empresa, mas teve seus argumentos considerados insuficientes.

Para o TCE, houve falhas no controle interno da secretaria, que permitiram a utilização de orçamento, notas fiscais e recibos falsos para justificar a subcontratação e pagamento a uma terceira empresa por serviços não prestados.
Agência contesta e recurso se arrasta por mais de 2 anos
Em março de 2023 a empresa protocolou recurso ordinário. A contestação foi colocada em pauta logo em seguida, em julho. Dali por diante, uma sucessão de fatos fez com que a análise da contestação – que tinha parecer do Ministério Público de Contas desfavorável à empresa – seguisse uma tramitação estranha e se arrastasse por 2 anos e 4 meses.
Foram seis pedidos de vista, uma sessão adiada por falta de quórum e um julgamento cancelado por questões formais, até que o TCE decidiu , no começo desse mês, rejeitar o recurso e manter a condenação à MAKPLAN. No dia 2, os conselheiros Dirceu Rodolfo, Eduardo Porto e Rodrigo Novaes votaram com o relator. O processo teve na relatoria o conselheiro substituto Luiz Arcoverde Filho.
Dirceu Rodolfo pediu vistas três vezes
A primeira vez foi em agosto do ano passado. Cinco meses depois, em janeiro deste ano, o conselheiro voltou a lançar mão do instrumento. “Estamos numa encruzilhada, num momento de discutir isso um pouco mais. Eu não vou dizer que… mas um pouco mais nós precisamos discutir. E eu vou pedir vistas destes autos e me comprometendo trazer assim que a gente começar realmente a voltar a discutir essa matéria, aprofundar um pouco mais essa questão”, justificou ele.
A declaração acima é um trecho do posicionamento de Dirceu Rodolfo em sessão, registrado nas notas taquigráficas do TCE. Abaixo, a íntegra do documento, com um histórico do caso.
Em abril do ano passado, a reunião do dia 2 deixou de ser realizada por falta de quórum. Uma semana depois, no dia 9, o recurso da MAKPLAN voltou à pauta e foi rejeitado. Mas o resultado foi anulado. As notas taquigráficas, porém, não detalharam o motivo. Este documento é o registro, de forma abreviada, de tudo o que se passa nas reuniões.
No mês seguinte, em maio, o TCE realizou sessão no dia 21. E Dirceu Rodolfo voltou a pedir vista. Pela terceira vez em nove meses.
“Estou pedindo vista desse processo. Primeiro, se for possível, não estou dizendo que vamos, se for possível abrir ensanchas a que possamos discutir um pouco, refletir um pouco mais sobre essa questão”.
Na sessão seguinte, do dia 2 deste mês, por unanimidade, os conselheiros indeferiram o pedido da agência do tio da governadora.
LINHA DO TEMPO
◾ 2007
O contrato é firmado entre a Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Turismo, e a MAKPLAN Marketing e Planejamento Ltda. A operação acontece no penúltimo ano da gestão do prefeito João Paulo.
◾ 2020
Em fevereiro, o TCE julga irregulares as contas de 2011 de um diretor da pasta, imputando a ele e à agência o débito no valor de R$ 4,8 milhões. A empresa tem a inidoneidade declarada por 5 anos.
◾ Março de 2023
MAKPLAN entra com recurso, depois dos embargos declaratórios terem sido rejeitados.
◾ Julho de 2023
O recurso entra na pauta e o conselheiro Rodrigo Novaes pede vista. Ele havia tomado posse do cargo há menos de dois meses.
◾ Setembro de 2023
O conselheiro Eduardo Porto também pede vista. Ele tomou posse do cargo junto com Novaes, em maio daquele ano.
◾ Agosto de 2024
O conselheiro Dirceu Rodolfo lança mão do instrumento e pede vista.
◾ Outubro de 2024
O conselheiro Ranilson Ramos também pede vista.
◾ Janeiro de 2025
Pela segunda vez, o conselheiro Dirceu Rodolfo pede vista.
◾ Abril de 2025
A sessão é adiada por falta de quórum.
◾ Abril de 2025
O recurso é analisado e indeferido, mas o resultado é anulado. As notas taquigráficas não detalharam o motivo.
◾ Maio de 2025
Pela terceira vez, o conselheiro Dirceu Rodolfo pede vista.
◾ Julho de 2025
O recurso, enfim, é rejeitado e o resultado, mantido. Votaram com o relator, os conselheiros Dirceu Rodolfo, Eduardo Porto e Rodrigo Novaes.
TCE: de órgão de controle à instrumentalização?
Os votos em desfavor da MAKPLAN aconteceram 12 dias depois da expedição de outra decisão do Tribunal de Contas que teve forte impacto sobre a gestão Raquel Lyra. No dia 20 de junho, o conselheiro Eduardo Porto determinou a suspensão dos contratos de publicidade do governo com quatro agências.
A decisão obrigou a gestão estadual a sustar pagamentos referentes a uma licitação para propaganda institucional, orçada em R$ 120 milhões para este ano.
A ação de contestação foi protocolada por um advogado, que argumentou que a subcomissão técnica, responsável por avaliar as propostas, não apresentou as notas individualizadas de cada julgador, conforme determinação legal. Dias depois, a 1ª Câmara do TCE manteve, por unanimidade, a medida cautelar.
Além de Porto, outros dois conselheiros formam a 1ª Câmara: Rodrigo Novaes e Carlos Neves.
Advogado é assessor de deputado do PSB e primo de conselheiro
O advogado que contestou o processo licitatório se chama Pedro Queiroz Neves. Ele ocupa cargo comissionado na estrutura do deputado estadual Rodrigo Faria (PSB) e é primo do conselheiro Carlos Neves, que – por sua vez – é casado com a publicitária Milu Megale, secretária de Cultura do prefeito João Campos (PSB).

O jornalista Lauro Jardim, colunista do jornal O Globo, foi quem revelou a relação familiar do advogado com o conselheiro.
Antes de ser indicado pelo então governador Paulo Câmara ao TCE, Carlos Neves foi advogado eleitoral do PSB. Ele tomou posse do cargo em agosto de 2019, ocupando o lugar deixado pelo conselheiro João Campos, que morreu precocemente e era primo do ex-governador Eduardo Campos, por quem foi indicado ao TCE.
Palácio não comenta decisão; narrativa segue em disputa
Publicamente, o governo não comenta as decisões do TCE. Nos circuitos da política, porém, aliados de Raquel reclamam de influência do PSB sobre o órgão de controle. Alguns acreditam que os adiamentos do julgamento do recurso a MAKPLAN pode ter acontecido para tirar a decisão do primeiro ano de gestão de Raquel e colocá-la no ano pré-eleitoral, embora avaliem também que o direito da agência – no caso concreto – era visto como frágil para desfazer a decisão de 2020.
Já os socialistas rebatem os governistas e dizem que a suspensão dos contratos de publicidade foi de responsabilidade da própria gestão, que não cumpriu a legislação.
O TCE-PE tem autonomia administrativa e financeira. É o órgão responsável pela fiscalização da administração pública. O pleno é formado por sete integrantes, cuja indicação é política e feita pelo/a governador(a) ou a Assembleia Legislativa. Mais à frente, Política com Opinão vai produzir um material para mostrar quem é quem dos conselheiros, quais funções exerceram antes do cargo vitalício e por onde chegaram ao pleno.