Opinião por João Carvalho*
O depoimento de Jair Bolsonaro no processo que apura a tentativa de golpe de Estado mostrou mais uma encenação do que um esforço de defesa técnica. O ex-presidente adotou um tom quase humilde para os padrões Bolsonaro, como se não tivesse sido o mesmo que passou quatro anos em confronto direto com as instituições democráticas. Quem acompanhou o interrogatório percebeu o contraste. Não colou!
De um lado, um Bolsonaro domesticado, tentando se afastar da fala agressiva que marcou sua trajetória política. De outro, o ministro Alexandre Moraes, que conduziu a audiência com postura firme dentro da lei, sem entrar no jogo de cena.
A serenidade de Moraes não se confundiu com fraqueza. Foi a atitude necessária para evitar que o depoimento se transformasse em um palanque político ou digital, como se viu na Lava Jato, quando o então juiz Sérgio Moro agia como acusador, em vez de magistrado.
Em um gesto que beirou a provocação, Bolsonaro chegou a convidar Moraes para ser seu vice em 2026, como se tivesse como certa sua participação no processo eleitoral do próximo ano. Parece ter esquecido que foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A resposta do ministro do STF ao convite de Bolsonaro, “eu declino”, foi o resumo da tensão daquele momento. Uma ironia discreta, mas firme, que trouxe o diálogo de volta ao foco dos fatos ali tratados. A tentativa do ex-presidente de gerar engajamento nas redes sociais, ainda que esperada, destoou da seriedade da audiência.
Para além do tom de “brincadeira” que Bolsonaro tentou imprimir por meio do “convite” a Moraes, é o conteúdo do processo que importa. É impossível separar os ataques às sedes dos Três Poderes do discurso contra a democracia que era tramado no Palácio do Planalto.
A tentativa de Bolsonaro de se distanciar dos “malucos” que pediram AI-5 soou dissimulada. Ele mesmo quem estimulou essas ideias autoritárias. Ao dizer que “as Forças Armadas jamais iriam embarcar nessa”, tentou jogar a culpa para o grupo mais radical da sua base, como se não tivesse sido ele o incendiário.
Casos como este reforçam a importância da memória e da responsabilização. Bolsonaro tentou diminuir a importância da “minuta do golpe”. Para isso, desmentiu seus aliados. Mas o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, e o conjunto de provas disponíveis mostram que ele foi peça-chave. A versão de inocência cai diante da robustez dos elementos probatórios. E a história já começou a cobrar.
O Brasil de agora não é o mesmo de 1964, por mais que ideias autoritárias ainda circulem dentro de algumas instituições. O ataque mal-sucedido à democracia, ocorrido 59 anos depois do último golpe que deu certo, mostra que a ameaça ainda existe. A diferença, agora, está na resposta.
As instituições resistiram. E isso não é sorte. É resultado da atenção da sociedade e o compromisso de parcela do Judiciário e Legislativo com o Estado de Direito.
A democracia brasileira, embora jovem, mostrou força. Diferentemente da dos Estados Unidos, por exemplo, que está lidando com essas questões de uma forma aquém da nossa. A democracia brasileira é uma conquista diária, que precisa ser defendida com firmeza, coragem e responsabilidade.
Diante dos ataques, escondidos ou diretos, é preciso lembrar: a democracia não se negocia.
* Jornalista e mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco